Setor energético confiante que Portugal está na rota certa para a neutralidade carbónica.
Os comercializadores de energia asseguram que a escolha por soluções verdes está a ganhar terreno, e desde o apagão elétrico de há um mês a procura por ofertas de autoconsumo com baterias aumentou.
“O apagão de 28 de abril expôs fragilidades no sistema elétrico nacional e acentuou a perceção de risco por parte dos consumidores, e muitos procurarão respostas junto dos seus comercializadores, mesmo quando estes não tinham qualquer responsabilidade direta pelo incidente”, começou por explicar à Lusa o presidente da Associação de Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado (ACEMEL), João Nuno Serra, em entrevista no âmbito do Dia Mundial da Energia, que se assinala na quinta-feira.
Questionado sobre os principais impactos que o incidente que afetou Portugal e Espanha teve na relação entre comercializadores e consumidores e na procura por soluções verdes, o responsável referiu que esse momento reforçou o papel das empresas como primeiro ponto de contacto do cliente final.
Além disso, adiantou que “aumentou a procura por soluções que ofereçam maior autonomia e previsibilidade como sistemas de autoconsumo com baterias ou serviços de gestão ativa de consumos”, que visam promover a eficiência energética e monitorizar os consumos de eletricidade.
A procura por soluções com determinado tipo de armazenamento deve-se ao facto de no dia do apagão ter havido relatos do colapso de energia ter afetado também famílias com painéis solares ligados à rede, mesmo em pleno sol.
Como na altura vários especialistas do setor explicaram, para garantir a segurança, o inversor dos módulos fotovoltaicos – que converte a corrente contínua em corrente alternada – suspendeu a produção de energia. E o mesmo aconteceu com a maioria das baterias usadas pelos consumidores para armazenar energia, por não terem, por exemplo, uma “backup box” – solução que pode ser ativada em caso de falhas na rede.
O presidente da ACEMEL, que representa 20 comercializadores, garante ainda que, no geral, a procura por soluções verdes está a crescer, mas de forma assimétrica.
“Os segmentos mais informados e com maior capacidade económica têm vindo a aderir ao autoconsumo e a mobilidade elétrica. No entanto, para a maioria dos consumidores, ainda falta informação clara, comparável e fiável”, lamentou o responsável da ACEMEL que conta com 20 associados, entre os quais a Aciona, Dourogás ou a Audax. A lista não inclui empresas como EDP, que apesar de estar a perder quota de mercado, continua a ser líder de mercado com mais de 55%.
O autoconsumo tem crescido de forma expressiva em Portugal, impulsionado pelas Unidades de Produção para Autoconsumo (UPAC) — sistemas que permitem a particulares e empresas gerar a própria eletricidade. A potência instalada em UPAC saltou de 86 megawatts em 2017 para cerca de 1,6 gigawatts em 2024, segundo dados da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG).
Sobre o atual quadro de regulação em Portugal, João Nuno Serra considera que apesar dos esforços desenvolvidos pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), “continua excessivamente complexa e, por vezes, desproporcional para os comercializadores de menor dimensão”.
“Esta realidade traduz-se numa carga burocrática significativa e num modelo de mercado que ainda favorece os operadores historicamente dominantes, dificultando a diferenciação e a inovação”, apontou.
No que toca à liberalização dos mercados da eletricidade e do gás natural, iniciada em 1996, o responsável sublinha que foi um passo positivo, mas considera que a sua concretização plena ainda está longe de ser alcançada.
“A concentração de quota de mercado em poucos operadores, aliada a barreiras de entrada de ordem técnica e comercial, continua a limitar o verdadeiro dinamismo competitivo”, defendeu, lembrando que a ACEMEL tem realizado denúncias destas “distorções junto das autoridades competentes”.
Setor energético confiante que Portugal está na rota certa para a neutralidade carbónica
Dos produtores de renováveis às empresas de combustíveis, todos no setor energético estão confiantes no caminho que está a ser feito para a neutralidade carbónica, trajeto que vai contar com o hidrogénio verde, apesar do atraso no arranque da produção.
“Vamos cumprir as metas do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) de certeza absoluta”, disse à Lusa o presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), Pedro Amaral Jorge, em entrevista no âmbito do Dia Mundial da Energia, que se celebra hoje.
No ano passado, o Governo reforçou as metas propondo uma quota de energias renováveis no consumo final bruto de energia para 51%. Em 2023, de acordo com os últimos dados disponíveis, pesou 35,2%.
Apesar da atual conjuntura marcada pela guerra de tarifas e da instabilidade geopolítica, Pedro Amaral Jorge está otimista que não haverá uma inversão na tendência do reforço das renováveis. Mas admite que há ainda alguns obstáculos pela frente para permitir acelerar investimentos, como a demora dos licenciamentos e a modernização das redes.
No que toca à incorporação de renováveis, o setor acredita que o hidrogénio verde e os biocombustíveis podem vir a ter um papel relevante.
Portugal tem vindo a apostar no hidrogénio verde como vetor estratégico para a descarbonização da economia, com projetos-piloto que visam aumentar a produção e utilização deste combustível limpo já na segunda metade da década, alinhando-se com a meta da neutralidade carbónica até 2045.
“Como todos os combustíveis de origem não biológica renovável, o arranque [da produção desta tecnologia] está a ser muito mais lento do que eram as primeiras estimativas da Comissão Europeia”, apontou o presidente da APREN.
Porém, garante que a indicação que foi feita recentemente por Bruxelas “é que não vai mover as suas metas nem um milímetro, ou seja, a incorporação de combustíveis sintéticos na aviação, no transporte marítimo e noutras aplicações vai avançar. Isto significa que o hidrogénio verde pode ter tido aqui um atraso de 4 ou 5 anos, mas do ponto de vista do futuro, a Comissão Europeia continua a determinar que a sua utilização é absolutamente incontornável”, assegurou.
E neste campo, Portugal tem várias vantagens competitivas como a forte capacidade instalada de energia renovável, elevada radiação solar e uma rede de gás eficiente e adaptável.
Para o secretário-geral da Associação das Empresas Portuguesas de Combustíveis e Lubrificantes (EPCOL), “sendo a eletrificação uma realidade incontornável, e com um papel crescente, não deve ser uma solução única”.
Nesse sentido, António Comprido defende que “a utilização de combustíveis de baixo carbono, biocombustíveis e combustíveis sintéticos, facilitará o cumprimento das metas de redução de emissões de CO2”.
Referindo-se ao apagão de 28 de abril, lembrou ainda que quanto mais diversas forem as fontes energéticas, quer no tipo quer na origem, maior é a segurança do abastecimento, incluindo o gás natural.
“Numa situação como a que vivemos, não podemos ficar todos reféns de uma única solução”, reforçou. “O futuro, na opinião de muitos especialistas, que eu partilho, passará por um cabaz energético muito mais diversificado, com as fontes fósseis a continuarem a suprir uma parte significativa das necessidades energéticas globais, embora com uma contribuição tendencialmente decrescente”, acrescentou.
Em 2024, a produção não renovável em Portugal foi praticamente toda assegurada por gás natural, que representou apenas 10% do consumo.
No aprovisionamento, quase toda a energia foi fornecida pelo terminal de GNL de Sines, enquanto as entradas pela interligação com Espanha foram residuais. O gás natural descarregado em Sines provém principalmente da Nigéria (53%) e dos EUA (41%).
Relativamente às reservas de gás, são feitas no complexo subterrâneo do Carriço, no concelho de Pombal, que utiliza seis cavernas naturais formadas em salinas a mais de mil metros de profundidade.
Em resposta à crise energética agravada pela guerra na Ucrânia, Portugal está a investir na construção de duas novas cavernas no mesmo complexo, com previsão de entrada em operação em 2027 e 2028.